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RECIPIENTE DE ATIVAÇÕES EM ARTE, EDUCAÇÃO E CULTURA

Porongo é vaso para beber, em sua denominação científica (Lagenaria siceraria) e na atribuição que resulta de seu uso. Representa aquele que recebe, espaço interno que se volta para fora. Dentro dele, são realizadas ativações para a coletividade. Dele ecoam sons, compartilhamento de conteúdos, além de servir como paradeiro temporário.​

 

Um recipiente é como um repositório, uma concavidade-receptáculo, assim como o estômago, o útero, um vaso com plantas, que recebe qualidades distintas de substâncias por diferentes extensões de tempo, tanto duradouras quanto passageiras.​ Ativações são movimentações, desde as esparsas, mínimas, até as intensas, a depender de seus conteúdos. Por vezes, as ativações se dão de forma lenta, como ocorre com barricas de vinho, e em diversos outros processos de fermentação. Em outros mecanismos, os movimentos são vigorosos, como na mistura de ingredientes para um alimento específico. Ativações geram transformações, e nosso intuito é induzir movimentos pré-existentes, aumentando atividades biológicas e desejos latentes. ​

 

Admitindo como referência o uso de um fruto como recipiente e propagador de sons, esperamos ativar semeações. Ativar os encontros e as trocas. Reunir perspectivas de arte de lugares diversos. Ativar projetos em arte e educação. Ativar experiências de contato com diferentes produções culturais. Ativar processos. Ativar as linguagens. Ativar o olhar. Ativar os sons e a escuta. Ativar as práticas sensoriais. Ativar o corpo. Ativar, a partir das privações. Ativar escritas e leituras. Ativar pesquisas, discussões críticas sobre arte, cultura, política e sociedade. Ativar exposições. Ativar ativismos. Ativar cursos. Ativar lançamentos. Ativar o paladar e o olfato. Tornar-se ativo, atuante. Provocar ativações. Atiçar a mente e os sentidos.

 

​O Porongo é uma construção com diversos ambientes, destinado ao convívio e à interação. É lugar de ocupações produtivas, favorável à formação de conexões.

UM FRUTO RECIPIENTE DE HISTÓRIAS ENTRE RIOS E CONTINENTES

O porongo é um fruto com espaço oco e sementes em seu interior, composto por casca natural impermeável, e uma das mais antigas matérias-primas utilizadas para a confecção de artefatos. Sua qualidade acústica permite, por exemplo, propagar o som do berimbau, instrumento de corda com origem em Angola, ou do maracá, idiofone de agitamento, muito utilizado em danças de diversas culturas. Também é amplamente empregado como recipiente, de maneira especial por povos indígenas.

No sul do Brasil e em vários países latino-americanos, como Argentina, Paraguai e Uruguai, é usado como cuia, derivação da língua tupi (cuya) que também se refere ao recipiente do chimarrão e do tereré. Por se tratar de um material vastamente encontrado em muitas partes do mundo, o porongo ou cabaça assume diversas denominações enquanto fruto, e nos objetos que o aproveitam. Com formas e tamanhos variáveis, muitas vezes determinados pelas suas posições de crescimento na natureza, pode ser alongado, cilíndrico, curvado, largo, redondo, redondo-achatado ou cônico. Nascido de árvores ou trepadeiras, o porongo é a "imagem do corpo humano em sua integridade, e do mundo em seu conjunto" [1].

A palavra porongo tem origem numa importante família de línguas indígenas da América do Sul, chamada quíchua, quechua ou quéchua, falada por milhões de pessoas de diversos grupos étnicos desse continente. Da língua indígena, poronco, veio a variação em espanhol rio-platense porongo. A região do rio da Prata, que consiste no estuário de transição dos rios Paraná e Uruguai para o oceano, parece ser o lugar do surgimento dessa denominação. Esses dois importantes rios que nascem no Brasil e desaguam entre Argentina e Uruguai carregam para além de suas águas muitas histórias, protagonizadas especialmente por povos originários.

A procedência do porongo é ancestral, e exerce influência em todos os continentes. Considerado um dos maiores presentes da natureza para o homem, seu nome científico (Lagenaria Siceraria) denota ‘vaso para beber’, remetendo a uma das principais funções do fruto para os diversos povos que o empregaram.

 

Um exemplar africano selvagem é a origem de tudo (Zimbabwe selvagem). A partir dele, a árvore genealógica do porongo se desenvolve em duas linhagens principais, entre espécimes africanas e asiáticas. Diferentes grupos de pessoas podem ter se deparado com populações selvagens da planta, selecionando aquelas com casca mais dura para utilizar como recipientes. Primeira planta a ser propagada a partir de sementes, o porongo ou cabaça ainda é muito utilizado também como boia, e para produção de adornos, máscaras e diversos instrumentos musicais, como flautas, tambores e instrumentos de corda.

 

Chegou ao “novo mundo” sem a interferência dos seres humanos. Vindo da África, o porongo se difundiu pelas américas flutuando por correntes marítimas do Atlântico[2], até alcançar terra firme para germinar. Realizou o caminho de uma outra colonização, que talvez se aproxima da contracolonização de Antônio Bispo dos Santos[3], estabelecendo-se como possibilidade diversificada de uso, oriunda de fontes renováveis. Diferente dos processos colonizadores exploratórios das culturas originárias dominadas, o porongo ou cabaça prosperou por todos os lugares para servir e compartilhar. 

 

No Recipiente Porongo, abordamos o fruto de forma sistêmica – o que é produzido a partir dele é consequência de um trabalho complexo, com ênfase no processo. Cultivada por pequenos produtores, serve para a fabricação de utensílios desvinculados do sistema industrial tradicional, causando menor impacto no meio ambiente. Como um material natural local e ao mesmo tempo global, possui peculiaridades de sustentabilidade. Através da história do uso desse material, que é a planta mais antiga domesticada, poderemos repensar por outros meios nossa própria história, abordando o porongo como recipiente de múltiplas narrativas.

 

A relação com a origem dessa designação, numa região de confluência de diferentes águas da América Latina e com o seu principal uso como recipiente por povos originários é o eixo que norteia o uso do espaço físico Recipiente Porongo.

[1] CHEVALIER, J., GHEERBRANT, A. Dicionário de Símbolos. 29ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2016, p. 151.

[2] KISTLER, Logan; et al. Transoceanic drift and the domestication of African bottle gourds in the Americas. PNAS, vol.111, nº8, 2014.

[3] BISPO DOS SANTOS, Antônio. A terra dá, a terra quer. São Paulo: Ubu Editora/PISEAGRAMA, 2023. 

REFERÊNCIAS DE IMAGENS

ORIGEM DO PORONGO E USOS EM DIVERSAS CULTURAS 

FONTES DE CONSULTA E PESQUISA 

 

  • CANCELIER, Janete Webler. A trajetória histórica do porongo e a diversidade dos artefatos produzidos em diferentes espaços: a importância para a agricultura familiar de Santa Maria /RS.  Disponível em:

https://periodicos.ufsm.br/geografia/article/view/41922/pdf

  • POLITIS, Michael. Bottle Gourd: a multi purpose utensil 10 000 old. Disponível em:

https://www.valentine.gr/lagenaria_en.php

  • Cientistas resolvem o mistério da planta que viaja pelo mundo

https://www.science.org/content/article/scientists-solve-mystery-world-traveling-plant

  • The first horticultural plant propagated from seed in New Zealand: Lagenaria siceraria

https://www.rnzih.org.nz/RNZIH_Journal/Pages10-16_from_2003_Vol6_No1.pdf

  • Museu Antropológico da Universidade Federal de Goiás 

https://acervo.museu.ufg.br/acervoetnografico/cuia-3/

  • Acervo África: memória, arte e cultura

https://acervoafrica.org.br/material/tecnica-material/cabacas/

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